sábado, 9 de junho de 2012

Capítulo 2 - A doação de sangue no Brasil



A história da doação de sangue no Brasil começa em 1879, com o primeiro relato acadêmico sobre Hemoterapia no País. A tese de doutorado, apresentada por José Vieira Marcondes, descreve experiências com transfusões de sangue realizadas até a época e discute se a melhor transfusão seria a do animal para o homem ou a entre seres humanos.

As primeiras transfusões de sangue no Brasil

Não existem relatos precisos de quando a primeira transfusão foi realizada no Brasil.

Sabe-se apenas que os médicos Brandão Filho e Armando Aguinaga foram os pioneiros nesta prática, no Rio de Janeiro, e que umas das primeiras experiências aconteceu por volta de 1900, em Salvador (Bahia) quando o professor de Clínica Médica, Garcez Fróes, usando um aparelho improvisado por ele, transfundiu 129 ml de sangue do doador João Cassiano Saraiva, servente do hospital, em uma paciente operada de pólipo uterino.

Outros relatos semelhantes são encontrados na tese de Isaura Leitão, sobre “Transfusão Sangüínea”, defendida em 1916. Também há referências não confirmadas de um procedimento realizado pelo Hematologista Estácio Gonzaga e o cirurgião Fernando Freira de Carvalho Luz, no Hospital Português em Alto do Bonfim, Bahia.

Do período Pós –Guerra aos dias de hoje

No Brasil, após o término da Segunda Guerra Mundial, com os progressos científicos e o crescimento da demanda por transfusões de sangue, surgiram os primeiros bancos de sangue privados: serviços especializados, de organizações simples, constando de um médico transfusionista e de um corpo de doadores universais (indivíduos do grupo sangüíneo O), que eram selecionados e examinados, para comprovação de suas boas condições de saúde.

Na década de 40, a Hemoterapia brasileira começou a se caracterizar como uma especialidade médica, e diversos bancos de sangue foram inaugurados, proporcionando oportunidades de comércio e lucratividade para muitos.

A doação de sangue foi remunerada por muitos anos no Brasil.
Um artigo dos anos 40, afirma que os doadores de sangue altamente selecionados eram remunerados a 500 réis por centímetro cúbico de sangue doado ou, no caso de doadores imunizados, a 750 réis/mm3. Que não admitiam doadores benévolos, nem de emergência. E que se o paciente não tivesse recursos para pagar os serviços e exames relativos às transfusões, estaria isento de qualquer débito; o pagamento ao doador deveria ser garantido pelo serviço de transfusão.

Nos anos 50, o fato mais importante foi a fundação da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH) e a promulgação da lei nº 1075, de 27 de março de 1950, que dispõe sobre a Doação Voluntária de Sangue.

O sistema transfusional brasileiro continuou funcionando totalmente livre de controle governamental, na década de 60. E o Governo brasileiro se viu às voltas com graves problemas devido ao sistema de coleta baseado na remuneração em espécie do doador de sangue e a falta de controle por parte dos serviços de hemoterapia. Apesar da constatação de que o sangue era veículo de transmissão de doenças infecciosas, principalmente a hepatite B, a Sífilis e a doença de Chagas, os exames sorológicos considerados obrigatórios não eram realizados na maioria dos bancos de sangue do país.

O quadro no Brasil era negro: doadores profissionais “viciados” em doar sangue, sem observar os preceitos de higiene e os intervalos recomendados entre as doações; sangue coletado e transfundido sem critérios técnicos e higiênicos; nas regiões endérmicas de doença de Chagas, a transfusão de sangue representava um dos mecanismos mais freqüentes de transmissão.

Diante da situação, em 1964, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho para o estudo e a regulação disciplinadora da Hemoterapia no Brasil, que resultou na formação da Comissão Nacional de Hemoterapia, em 1965.

A Comissão Nacional de Hemoterapia e o Ministério da Saúde estabeleceram, através de decretos, portarias e resoluções, o primado da doação voluntária de sangue e a necessidade de medidas de proteção a doadores e receptores; e disciplinou o fornecimento de matéria-prima para a indústria de fracionamento plasmático e a importação e exportação de sangue e hemoderivados. Entre as suas atividades destacam-se a implantação do registro oficial dos bancos de sangue públicos e privados, a publicação de normas básicas para atendimento a doadores e para prestação de serviço transfusional e a determinação da obrigatoriedade dos testes sorológicos necessários para segurança transfusional.

A Hemoterapia no Brasil tinha legislação e normatização adequadas, porém ainda carecia de uma rígida fiscalização das atividades hemoterápicas e de uma política de sangue consistente.


Até a Última Gota

Em 1980 foi lançado o filme/documentário “Até a última gota” dirigido por Sérgio Rezende, sobre o comércio de sangue nos países do terceiro mundo. Inspirado na morte do operário Jucenil Navarro de Souza; que desempregado vendia sangue para comprar comida para a família e que morreu na porta de um supermercado logo após ter vendido sangue a uma casa de saúde em Caxias, no Rio de Janeiro. O filme conta com o depoimento da esposa de Jucenil, além de vendedores, compradores e autoridades e pessoas que lutam contra esta prática e recebeu diversos prêmios como o Prêmio de qualidade do Conecine, entre os 12 melhores filmes de 1980; e o prêmio especial do Júri no Festival de Gramado.

A doação remunerada foi também tema de versos de Chico Buarque de Holanda – que ao contar as aventuras de um típico malandro carioca, em “Vai Trabalhar, Vagabundo”, canta: "Passa o domingo no mangue, segunda-feira vazia, ganha no banco de sangue pra mais um dia".


Assim, em meados da década de 70 e início da de 80, o Governo Federal começou a implantar o Programa Nacional do Sangue e Hemoderivados (Pró-Sangue), estimulando a criação de hemocentros estaduais. Em novembro de 1977 foi inaugurado o Centro de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (HEMOPE), primeiro hemocentro do Brasil, construído com recursos dos Governos Estadual e Federal, e do Governo Francês. A este se seguiram outros nas principais cidades do País, tendo como diretrizes a doação voluntária não remunerada de sangue e medidas para segurança de doadores e receptores.

Na mesma época a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, iniciou uma cruzada por todo o País, que culminou em junho de 1980 com a extinção da doação remunerada de sangue no Brasil.

Naquela ocasião, a estratégia para a obtenção do doador altruísta, a exemplo de países desenvolvidos, era conseguir o chamado doador de reposição (familiares e amigos dos pacientes) que eram sensibilizados e conscientizados para o ato de doar. Aquilo que parecia impossível aconteceu sem qualquer desabastecimento, que era o principal temor dos organizadores da campanha. O Brasil, que naquela época tinha 80% de doação remunerada, passou a ter exclusivamente doadores voluntários.

A década de 90 trouxe o fortalecimento da rede brasileira de hemocentros passando o governo a concentrar-se, a partir de 2000, na criação e implantação de um Sistema Brasileiro de Hemovigilância. Iniciado na área de Sangue, outros Tecidos, Células da Anvisa – Agência de Vigilância Sanitária, com a proposta de alcançar todos os serviços de hemoterapia e de saúde que realizam transfusão e procedimentos integrantes do processo do ciclo de sangue no País.

Em 2002, a regulamentação do artigo 199 da constituição de 1988, que dispunha sobre a participação da iniciativa privada no sistema de saúde e comercialização de sangue, entre outros, foi finalmente aprovada, ficando proibida a doação remunerada de sangue.

Segundo dados da Anvisa, o Brasil possui hoje cerca de 1,8% de doadores de sangue, sendo 50% destes doadores altruístas (doam sem saber para quem) e 50% de reposição.

A história do Voluntariado na Doação de Sangue Brasileira

Os primeiros registros de atividades voluntárias na promoção da doação de sangue pertencem à Cruz Vermelha, organização a que Leonora Carlota Osório, se filiou inicialmente, assumindo como bandeira o combate ao comércio de sangue e o incentivo à doação voluntária e altruísta de sangue, após chegar ao Brasil em 1939.

Na década de 50, foi fundada a Associação de Doadores Voluntários do Brasil, cuja primeira presidente foi Nair Aranha.

No início dos anos 60, Carlota Osório, fundou a Associação Brasileira de Doadores Voluntários de Sangue (ABDVS), para combater o comércio de sangue e divulgar a doação voluntária. Em 1964, o então presidente Castello Branco, proclamou em homenagem a organização e seu trabalho, o dia 25 de Novembro (data da fundação da ABDVS) como o “Dia Nacional do Doador Voluntário de Sangue”.


"Procure um banco de sangue público: nós doamos o sangue que você doou".

Foi o slogan criado por Carlota Osório para combater a doação remunerada do sangue, que comparava os serviços públicos com os privados existentes na época.
Atualmente, tanto bancos públicos como privados trabalham com a doação voluntária e fornecem gratuitamente o sangue para seus pacientes.


Por seu importante trabalho, Carlota Osório, foi condecorada em 30 países e, no 11o. Congresso da FIODS (Federação Internacional das Organizações de Doadores Voluntários de Sangue) que aconteceu no Rio de Janeiro, recebeu o título de presidente de honra, atuando de 1984 a 1987.

Em 1997, Márcia Tedesco Dal Secco e Maria Ivone Carraro de Mendonça convocaram antigas voluntárias da ABDVS e participantes do Clube de Serviço da Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo para criarem a Associação Brasileira de Voluntários de Sangue (ABVS) que após dois anos de atividades na Fundação Pró-sangue tornou-se uma Associação independente, ligada a FIODS, e com o objetivo de promover a doação de sangue em todo o país.

Em 2000, a ABVS organizou a Assembléia Geral da FIODS em São Paulo reunindo representantes de organizações de doadores de diversos países e aproveitou o momento para homenagear a Leonora Carlota Osório, acrescentando seu nome ao da associação.

Passados 07 anos e com o surgimento de outras associações de voluntários do sangue no Brasil, assim como de Clube de Doadores. A Voluntários do Sangue decidiu re-estruturar sua atuação de forma estabelecer uma rede para a causa da doação de sangue, conforme solicitado pela própria FIODS. Buscando unir doadores, voluntários e organizações na criação de uma Federação Brasileira, sendo o primeiro passo dado nessa direção a organização do 2o. Encontro Latino Americano de Organizações de doadores de Sangue da FIODS, em Fevereiro de 2007.

Entretanto, devido à falta de estrutura e apoio o projeto “Corrente Sanguínea” que previa a criação de Clubes de Doadores e Voluntários do Sangue em parceria com Hemocentros e Bancos de Sangue, em todo o Brasil; a realização de eventos para o fortalecimento da causa e a comemoração do “Dia Mundial do Doador de Sangue” (14 de junho); não chegou a sair do papel. E em 2009, a ABVS encerrou juridicamente suas atividades. 

No entanto, aqueles apaixonados pela causa da doação de sangue nunca deixaram de acreditar que um dia a segurança transfusional por meio de doações voluntárias será realidade no Brasil. Este livro é a prova disto.

Estrutura e participação voluntária

Hoje a estrutura da coleta de sangue no Brasil é composta por uma rede de hemocentros públicos responsáveis pelo abastecimento de sangue nos hospitais públicos e alguns particulares e de diversos Bancos de Sangue privados ligados a hospitais particulares, responsáveis por abastecê-los.

Essa rede se reporta a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é o órgão do Governo, responsável por estabelecer os padrões nacionais para a doação de sangue, assim como fiscalizar o cumprimento das mesmas.

A coleta e a análise do sangue são de responsabilidade dos hemocentros e dos bancos de sangue. E são normalmente realizadas dentro das dependências dos mesmos, embora a coleta possa acontecer em locais diversos como escolas, empresas, igrejas, etc. A esse tipo de coleta dá-se o nome de “coleta externa”.

De forma a cuidar dos interesses dos doadores e promover a doação de sangue voluntária existem diversas organizações de voluntários e clubes de doadores que atuam localmente. Muitos hemocentros e bancos de sangue possuem também uma área própria de captação para cumprir com estes fins.


A FIODS – Federação Internacional das Organizações de Doadores de Sangue, tem como principal objetivo promover em todos os países do mundo a doação voluntária, anônima e regular de sangue.



Resumo e questões 
No Brasil as primeiras transfusões de sangue aconteceram por volta de 1900 e o sistema de coleta de sangue estabeleceu-se a partir da Segunda Guerra Mundial, inicialmente com a doação remunerada.

O comércio de sangue trouxe diversos problemas. Assim, de forma a melhorar a qualidade do sangue coletado e garantir a saúde do doador, diversas ações foram tomadas pelo governo (criação do programa Pró-sangue, regulamentação da doação de sangue, lei proibindo a doação remunerada, criação do programa de Hemovigilância) e por organizações ligadas a causa.

No âmbito do voluntariado a ação de Carlota Osório e a criação da Associação Brasileira de Doadores Voluntários do Sangue, foram essenciais para o estabelecimento da doação voluntária no país e serviram de base para a criação da “Voluntários do Sangue”.

Atualmente o Brasil possui cerca de 1,8% de doadores voluntários e de reposição, continuando em busca da segurança transfusional. E a “Voluntários do Sangue”, busca estabelecer uma rede para a causa da doação voluntária, anônima, não-remunerada e regular de sangue.

  1. Quais os problemas enfrentados devido a doação remunerada de sangue?
  2. Quais as principais providências tomadas para a conquista da doação voluntária?
  3. Qual o nome do programa do Governo criado para garantir a qualidade do sistema de sangue no Brasil?
  4. Quem foi a voluntária homenageada por seu trabalho na luta pela doação voluntária de sangue?
  5. Quando foi dado o passo inicial para a criação de uma Federação Brasileira de Doadores e Voluntários do Sangue?

7 comentários:

Anônimo disse...

Qual o ano do livro?

Leticia disse...

Car@,
o livro não foi impresso, portanto referências devem ser feitas usando o endereço do blog.
Abs

Helena Lima disse...

Cara Letícia, seu blog é um tesouro! Penso que já deva ter procurado patrocínio para publicação impressa - tem verba Fapesp, Capes, enfim, várias possibilidades.... quais você já tentou? Abraços,e se eu puder ajudar, penso que seu trabalho seja de muita importância e utilidade na saúde pública brasileira!

Anônimo disse...

Ótimo

Leticia disse...

Obrigada pelos elogios :) Nunca procurei patrocínio para publicação, em parte porque o conteúdo é publico pelo blog, mas se houver interesse não teria problema em transformá-lo em algo mais :) Abs

angelica disse...

cara leticia vc deveria publicar siiiiiiiim me ajudou muitooooo obrigadaaaa

Unknown disse...

Muito importante para minha pesquisa acadêmica. Obg pelo conhecimento compartilhado

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